quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Continuação da análise crítica de Maria Alzenir.

O narrador, em sua posição de demiurgo, acompanha o percurso do personagem em seu degredo para o hades. Porém, a condição desse personagem é pior do que a de um titã derrotado na luta contra os deuses olímpicos. Pois, arrebatado da vida de forma traiçoeira, sequer, teve a oportunidade de lutar com seus assassinos. No trânsito para o mundo dos mortos, para onde parecia relutante em fazer a travessia, diz o narrador que ele: não podendo conceder aquele indiferentismo de seus irmãos, filhos da mesma terra que adotaram a cujo lado tantas vezes lutara impacientado, voltou-se para a própria terra, para a terra mãe e interpelou-a. - Ó Pátria adotiva, por que te calas tu assim? Por que consente neste misterioso enredo que me cerca? A terra, como que impulsionada por tão acerba evocação (...) E então para ele: — (...) Não sentes que foste banido do seio da terra que libertaste no enleio de horrível trama, o que toda a natureza desta majestosa terra que tu censura, revolta-se clamando vingança? (Jornal Correio do Acre, 1910).
A conformação do personagem à sua condição de degredado na morte se dá somente à medida que o narrador dá voz à terra que figura como pousada final do herói trágico. E ela, a terra, verbaliza o desejo dos acreanos, partidários de Plácido de Castro, de vingar a morte dele: Ele parece que meditava. Depois em pungentes as palavras refletidamente pronunciadas parecendo submeter– se a um exame próprio: - sim, agora se me vão clareando mais as coisas. Não podia crer, mas, irmãos já não mataram outros irmãos, levados pela traição. Judas, já não existiram tantos? Oh! É abominavel, é horrível a traição. E voltou-se num adeus eterno, evolando-se aos poucos num misto da luz e sombras para não mais voltar (Correio do Acre, 1910).
No jornal Correio do Acre de 1911, na crônica intitulada “Oh! Pior sem ele”, Justulo retoma a idealização de uma “aldeia aprazível [onde] reinava uma harmonia admirável, uma verdadeira união entre seus habitantes” é somada à mitificação do herói assassinato depois que, segundo o relato do cronista: “O gérmen da ambição incontida fora lançado em meio daquela aldeia, trazido por aventureiros que lá aportaram embalados na doce esperança da fortuna”. No entanto, o que antes parecia ser era apenas “uma doce esperança de fortuna”, desenvolveu-se e deu-se a conhecer a todos nos atos de discórdia que substituíram o estado pacífico anterior. Diz o narrador que os ambiciosos não encaravam meios para conseguirem os fins, e sucessivamente, tangidas por cabeças tão perversamente calculadas, foram avolumando-se, dando lugar a duelos, provações, intrigas, assassinatos, fatos vergonhosos que se desenrolaram em despenhadeiro, tornando-se enfim aquela bela e agradável aldeia de outrora o palco de cenas escandalosas, tudo se encaminhando para um desmoronamento moral inconcebível.
Ninguém mais se entendia nem se confiava; não havia mais a quem mandar, pois uma febre avassaladora de governar assolava. Os chefes, como as modas nas cidades adiantadas, sucediam-se numa produção espantosa e confundiam-se numa promiscuidade carnavalesca.
O fraco sucumbia ao forte (Jornal Correio do Acre, 1911).
O quadro que se instaurou, na aldeia do cronista, em muito se assemelha com o estado caótico do qual falam os estudiosos da história social do Acre. Essas fontes dão conta de que tão logo o Acre foi anexado ao Brasil começaram as discórdias. A primeira delas deu-se entre os componentes do exército de Plácido de Castro e os membros da força federal. Os primeiros foram humilhados, presos e tiveram suas provisões e armamentos saqueados pelos últimos.
Além de que, muitos integrantes do exército acreano acabaram por compactuar com a falácia de que o Acre não estava preparado para ser autônomo, e que se estivesse sob a guarda tutela da União deveria ficar sob a tutela do Estado do Amazonas ou do Pará, resultando em dissensões entre os combatentes, que passaram a se organizar não mais pela libertação do Acre do jugo boliviano e sim para defender interesses particulares, os quais tinham sempre motivações econômicas.

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